Refúgio no Pampa

Para respeitar é preciso conhecer

Segundo pesquisador, de todos os biomas brasileiros o bioma pampa é um dos mais negligenciados

Paulo Rossi -

A gurizada entra no Museu da Estação Ecológica do Taim, em Rio Grande, e tem pressa de aprender. Ossos, ovos, sons, detalhes de um inseto a serem descobertos no microscópio... Capivara, tatu, lagarto, cobras, tartaruga... É um universo a ser desvendado. E não falta quem queira desbravar aquelas terras e águas. Uma curiosidade que move crianças, adolescentes e pesquisadores de diferentes regiões do país. Em três décadas de história, a Estação já gerou 163 projetos de pesquisa, que alimentaram a academia com mais de 600 documentos, entre monografias, dissertações, teses e artigos científicos.

Durante os dois dias em que o Diário Popular permaneceu no Taim, na última semana, a equipe de reportagem acompanhou saídas de campo de dois estudos: um da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e outro da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). São trabalhos apresentados neste terceiro e último capítulo da série Refúgio no Pampa. Um convite a conhecer e valorizar as belezas do extremo Sul.

No rastro das tartarugas há dez anos
O alvo está definido. E é o mesmo há uma década, desde a época em que a jovem Melise Silveira fez a graduação, em São Gabriel: os quelônios. Ou seja: tartarugas, cágados e jabutis. E foi assim, decidida em aprofundar o conhecimento, que veio o mestrado em Ecologia, em Minas Gerais, e, agora, o doutorado em Biologia de Ambientes Aquáticos Continentais, na Furg.

“O bioma Pampa é um dos mais negligenciados do Brasil, tanto em proteção quanto em pesquisa”, destaca. E entusiasma-se em monitorar as quatro espécies registradas no Rio Grande do Sul e também no Taim: a tartaruga tigre-d’água e os cágados-preto, de barbelas e o pescoço-de-cobra. E para acompanhá-los, a pesquisadora espalha armadilhas pelo local, como a que foi encontrado uma tigre-d’água macho adulto, na manhã da quinta-feira, 14 de julho. É a certeza de que o animal poderá ser monitorado por, pelo menos, um ano, através da radiotelemetria; um sistema inédito em estudos com quelônios no Estado. Para isso, antes de devolvê-los ao ambiente, a bióloga instala transmissor que permitirá identificá-los através de radiofrequência.

>>> Confira a galeria de fotos do último dia da série Refúgio no Pampa

As informações guardadas com os morcegos
A ocorrência de morcegos também irá virar alvo de estudo na Estação Ecológica do Taim. Na última semana, o biólogo Diego Souza começaria a visitar as residências de moradores das redondezas para verificar a existência e o comportamento desses mamíferos que, em geral, provocam medo e susto por onde passam. “Eles prestam um serviço ecológico muito importante”, ressalta o mestrando.

E para realizar o trabalho, através do Programa de Pós-graduação em Biologia Animal da UFPel, o pesquisador não irá percorrer apenas casas. O olhar estará direcionado aos muitos abrigos naturais, no Pampa, utilizados pelos morcegos, que cumprem um papel como dispersores de sementes e polinizadores. Além, é claro, de comerem uma média de até mil mosquitos em uma noite - conta Diego.

Outros focos
Não são só os morcegos que despertam o interesse do biólogo. A atenção voltada para mamíferos em geral, répteis, anfíbios e aves faz com que Diego Souza integre o projeto Linha de fronteira, ao lado de outros profissionais, com o objetivo de analisar os hábitos de animais em diferentes cidades da região, como Chuí, Jaguarão, Pedras Altas e Candiota, em um total de aproximadamente 60 câmeras instaladas em locais estratégicos, como as colocadas em dois pontos de uma figueira centenária, no Taim. Os túneis para passagem de fauna também compõem o roteiro para captura de imagens. “Existe uma lacuna científica no Pampa. Esse material poderá contribuir para conscientização da conservação da nossa fauna.”

Alegria, sorrisos e um novo amanhã
Os estudantes foram divididos em turmas para conhecer a Estação Ecológica. Trilhas, plantio de mudas de alface e de couve, aquarelas, visitação ao museu, fotos e muita espontaneidade. Sorrisos. Criatividade. Com máquinas fotográficas de papel em mãos, a gurizada aceitou o desafio e saiu a admirar as cores da natureza.

“Fotografei esse cacto”, conta a pequena Yasmin dos Santos, de oito anos de idade. E, em meio a risos e pulos serelepes, Adriel Machado Marques, de dez anos, logo enfatiza: “O capincho tem uns dentões”, afirma, depois de observá-los na luneta.

São reações que reforçam a convicção do chefe da Estação, Henrique Ilha: fazer com que as novas gerações possam estabelecer um contato amigável e curioso com a natureza, baseado em componentes emocionais. “Hoje, não falta informação às pessoas sobre a importância da preservação ambiental. Para mudança de comportamento, temos que trabalhar com sensibilização, com formas que as conectem com o seu mundo interior”, defende o oceanólogo.

Muitas descobertas (*)
Comportamento: a pesquisa tem objetivo bem claro: analisar a área de vida, o uso do ambiente e os padrões de movimento de tartarugas e cágados que vivem no Taim. A partir do monitoramento será possível observar por onde os animais têm se deslocado e, principalmente, verificar de que forma a BR-471 interfere na vida desses répteis. Com cerca de um ano e meio de trabalho, já é possível inferir que as passagens de fauna têm sido pouco usadas pelos quelônios - afirma Melise. Resultado: os animais não exploram o local como poderiam ou, não raro, morrem atropelados ao cruzar a estrada.

Alertas: o fato de os quelônios ficarem com a circulação restrita a determinadas áreas, pode ter impacto no futuro. Ao se reproduzirem apenas entre si, a variabilidade genética é diretamente afetada; um risco em caso de serem atingidos por doenças, por exemplo, em que toda uma comunidade poderia ser eliminada.
A possibilidade de serem fêmeas a maioria das tartarugas atropeladas também é cogitada, já que em geral movimentam-se mais, até encontrar locais adequados para instalar seus ninhos e depositar os ovos, protegidos de predadores. Ficam, portanto, mais ameaçadas.

Exames: a pesquisa também prevê uma série de testes. Ao serem capturados para colocação dos transmissores, os animais ainda passam por uma coleta de tecido interdigital - para análise futura de DNA - e também de sangue, para verificação de contato com poluidores.

(*) Além do suporte da Furg, claro, a pesquisa de doutorado conta com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Após a conclusão do estudo, o equipamento de radiotelemetria será doado ao Laboratório de Vertebrados da Furg.

Você sabia?
- Uma das estratégias para apurar as espécies de pequenos roedores que vivem na região do Taim e ganhar mais subsídios ao estudo de mamíferos, tem sido através da análise de pelotas, isto é, o material regurgitado pelas corujas, que engolem os ratos inteiros e depois eliminam o resto, não digerido: pelos e ossos. Com a observação dos crânios (foto abaixo) é possível indicar quais são as espécies - explica o biólogo Diego Souza.

- Diversos sinais podem servir de indicativo da presença de animais em uma determinada área: pegadas, restos de repasto (refeição), tocas, ninhos e fezes são os mais comuns. Então, não esqueça: quando você andar por aí, fique atento aos rastros.

- Atualmente existem 49 projetos de pesquisa em andamento na Estação Ecológica do Taim. A maioria dos estudos, ao longo desses 30 anos, foi desenvolvida por pesquisadores do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Rio de Janeiro e de São Paulo.

 

 



 

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